O Tabuleiro Politico

Por: Bruno Lobo Monteiro

A política, como bem nos ensina a filosofia, é a arte do possível. No entanto, quando o possível se reduz à mera transação de interesses, à barganha de cargos e comissões, ela deixa de ser arte para se tornar uma espécie de mercantilismo vulgar. É precisamente essa degradação do espírito político que testemunhamos no recente episódio em que o ex-presidente Jair Bolsonaro, outrora o símbolo máximo dessa insurgência conservadora, apoiou para as presidências da Câmara e do Senado nomes cuja afinidade com o Partido dos Trabalhadores é notória: Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, e Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá. E, assim, como um truque de ilusionismo grotesco, a eleição para as duas casas legislativas uniu o improvável: PT e PL marcharam juntos, de braços dados, selando uma aliança de conveniência em detrimento de qualquer coerência ideológica.

Olavo de Carvalho, cuja obra e pensamento são referências incontornáveis para qualquer análise séria da direita conservadora no Brasil, sempre alertou para os perigos da “velha política”. Em seus escritos e aulas, ele denunciava a corrupção não apenas material, mas sobretudo espiritual, que permeia o sistema político brasileiro. Para Olavo, a verdadeira direita não poderia se contentar com meras reformas superficiais; era necessário uma transformação radical da mentalidade política, uma ruptura com o jogo de interesses que há décadas domina o cenário nacional. No entanto, o que vemos hoje é o oposto disso: uma direita que, em vez de se afirmar como alternativa ao establishment, acaba por se integrar a ele, perdendo sua identidade e sua razão de ser.

A eleição de Motta para a presidência da Câmara e de Alcolumbre para o Senado é emblemática dessa capitulação. Ambos os nomes possuem ligações estreitas com o PT e com o sistema de poder que o bolsonarismo supostamente se propunha a desmantelar. Ao apoiar esses nomes, Bolsonaro não apenas desapontou sua base eleitoral, mas também retardou o projeto de renovação política que, em tese, defende.

E o que a direita obteve em troca desse pacto vergonhoso? Algumas míseras comissões, como a de Segurança Pública, entregue a Flávio Bolsonaro, e a Comissão de Direitos Humanos, dada a Damares Alves. Como se tais assentos fossem troféus dignos de uma batalha que sequer foi travada. Como se o que estava em jogo fosse uma disputa por migalhas e não pela espinha dorsal do poder legislativo.

O mais estarrecedor, porém, foi o tratamento dispensado aos que ousaram desafiar essa acomodação vergonhosa. No Senado, dois candidatos verdadeiramente de direita, Marcos Pontes (PL-SP) e Eduardo Girão (NOVO-CE), lançaram suas candidaturas à presidência da casa. O mesmo aconteceu na Câmara com Marcel Van Hattem (NOVO-RS). E qual foi a resposta da própria direita a esses nomes? Foram tachados de traidores, de divisionistas, de sonhadores ingênuos. Como se a lealdade à coerência e aos princípios fosse um crime político. Como se a subserviência ao sistema fosse uma necessidade incontornável.

Afinal, de que serviu eleger uma base conservadora se, na hora decisiva, essa base se rende ao jogo da velha política? Qual o sentido de uma direita que se dobra às engrenagens do fisiologismo? Cedemos ao sistema para garantir algumas cadeiras em comissões irrelevantes, enquanto o verdadeiro poder continua nas mãos de quem sempre o deteve. A direita deveria ser uma força de resistência e ruptura, mas se comporta como um grupo de arrivistas ávidos por um lugar à mesa do banquete da velha política.

A incoerência dessa atitude é evidente. Como pode uma direita que se diz conservadora e antiestablishment aliar-se justamente às forças que representam o establishment? Como pode um governo que se apresentou como a antítese do PT buscar agora a conciliação com esse mesmo partido? A resposta, infelizmente, é simples: o poder corrompe, e o sistema político brasileiro é especialmente hábil em cooptar e neutralizar aqueles que pretendem mudá-lo. Em vez de lutar contra o sistema, optou-se por se render a ele, em troca de vantagens imediatas, como cargos e comissões. Essa rendição, no entanto, tem um custo elevado: a perda de credibilidade e a traição dos princípios que supostamente defendia.

Ceder ao jogo da velha política é, portanto, um atraso e não condiz com a conduta de uma direita que se preze. A verdadeira direita conservadora deve ser, antes de tudo, uma força de resistência ao sistema de poder, uma voz crítica que denuncia a corrupção e a degradação moral que permeiam a política brasileira. Em vez de se aliar ao PT e a outras forças do establishment, ela deveria buscar construir uma alternativa autêntica, baseada em princípios sólidos e em uma visão de longo prazo para o país. Isso, obviamente, não é fácil; exige coragem, integridade e uma disposição para enfrentar as dificuldades e os sacrifícios que uma verdadeira mudança implica. Mas é justamente essa disposição que distingue a verdadeira direita da mera caricatura que vemos hoje.

Uma das coisas que não tenho é memória curta. Não lembram dos discursos inflamados garantindo que teríamos um Senado bolsonarista que derrubaria ministros do STF se quisesse? Onde estão agora esses senadores que marcharam para a batalha prometendo resistir ao avanço da esquerda? O que fizeram além de negociar seus espaços dentro do sistema que deveriam combater?

A primeira coisa que Alcolumbre disse ao ser eleito presidente do Senado foi: “Não vou pautar a anistia”, em referência aos presos políticos do 8 de janeiro, vítimas de um julgamento e sentenças absurdas e injustas, impostas pelo STF. Hugo Motta, por sua vez, declarou que não vai pautar o impeachment de Lula, mesmo havendo denúncias de irregularidades que comprometem o cargo do ex-presidiário. Tal afirmativa é um murro com soco inglês na cara daqueles que se preparam para ir às ruas no dia 16 de março pedir o impeachment de Lula. De que servirão as manifestações, afinal? Lhes digo: para fazer campanha antecipada para os direitistas de goela que negociam com os amigos de Lula e nada mais. O impeachment não virá.

Em conclusão, a aliança entre PT e PL, e a rendição de Bolsonaro ao sistema de poder, representam um retrocesso e uma traição aos princípios que supostamente deveriam guiar a direita conservadora. A verdadeira política não pode se reduzir à mera transação de interesses; ela deve ser, antes de tudo, uma luta pela preservação dos valores e dos princípios que sustentam a sociedade. Como bem nos lembra Olavo de Carvalho, “a política é a arte de preservar o que é permanente em meio ao que é transitório”. E é justamente essa arte que a direita brasileira parece ter esquecido.

              

 O Tabuleiro Político, 08 de Fevereiro de 2025

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