O Tabuleiro Politico

Por: Bruno Lobo Monteiro

Desde os primórdios da civilização, a religião e a política entrelaçaram-se de maneira indelével, formando um tecido social complexo e, por vezes, contraditório. Não é exagero afirmar que a história da humanidade é, em grande medida, a história dessa relação intrincada entre o sagrado e o temporal, entre os altares e os tronos. Como amante da História e estudioso das ciências humanas, vejo nessa conexão um fenômeno que transcende meras conjunturas históricas, refletindo, antes, a própria natureza do homem como ser político e religioso.

No mundo antigo, a religião era o alicerce sobre o qual se erguiam as estruturas políticas. No Egito dos faraós, por exemplo, o governante era visto como uma encarnação divina, um intermediário entre os deuses e os homens. Na Grécia clássica, os oráculos e os ritos religiosos influenciavam decisões políticas cruciais, como a guerra ou a paz. Em Roma, o culto ao imperador era não apenas uma expressão de fé, mas também um instrumento de coesão do vasto império. A religião, portanto, não era um mero apêndice da política; era sua alma e sua justificativa.

Com o advento do cristianismo, essa relação ganhou novos contornos. A Igreja Católica, durante a Idade Média, tornou-se uma instituição de poder paralela aos reinos e impérios. Papas coroavam reis, e reis buscavam a legitimação divina para seus governos. A famosa “Querela das Investiduras”, no século XI, ilustra bem o embate entre o poder espiritual e o temporal, um conflito que, longe de ser mera disputa de interesses, refletia uma tensão fundamental na concepção medieval de ordem social.

A modernidade, com seu racionalismo e secularização, prometeu separar definitivamente a religião da política. No entanto, essa promessa mostrou-se, em grande medida, ilusória. A Revolução Francesa, por exemplo, ao mesmo tempo em que proclamava a laicidade do Estado, criou novos cultos cívicos, como o da “Deusa Razão”. A própria ideia de nação, tão cara ao mundo moderno, adquiriu frequentemente contornos quase religiosos, com seus mártires, seus ritos e seus dogmas.

No mundo contemporâneo, a relação entre religião e política permanece viva e multifacetada. Em países como os Estados Unidos, a fé cristã influencia profundamente o debate político, moldando posições sobre temas como o aborto, o casamento homossexual e a educação. No Oriente Médio, o islamismo político emerge como uma força poderosa, desafiando a ordem secular e redefinindo as fronteiras entre Estado e religião. Até mesmo em nações consideradas laicas, como a França, questões como o uso de símbolos religiosos em espaços públicos reacendem debates sobre o lugar da fé na esfera política.

Como conservador, vejo com certa desconfiança os projetos que buscam erradicar a religião da vida pública. A história nos ensina que o vácuo deixado pela fé é rapidamente preenchido por ideologias totalizantes, que frequentemente se revelam mais intolerantes e dogmáticas do que as religiões que pretendem substituir. A religião, quando bem compreendida, não é um obstáculo à liberdade política; pelo contrário, é uma salvaguarda contra os excessos do poder. Ela lembra ao governante que há uma lei superior à sua vontade e ao cidadão que há um propósito transcendente para sua existência.

Por outro lado, é preciso cautela para evitar que a religião seja instrumentalizada em favor de interesses políticos mesquinhos. A história está repleta de exemplos de líderes que, em nome de Deus, cometeram as maiores atrocidades. A verdadeira fé não se presta a servir de escudo para a tirania; antes, ela inspira a justiça, a compaixão e o respeito pela dignidade humana.

Em suma, a mistura entre religião e política é inevitável, pois ambas tratam das questões mais profundas da existência humana: o sentido da vida, a natureza do bem e do mal, a organização da sociedade. Cabe a nós, como cidadãos e pensadores, garantir que essa relação seja harmoniosa e fecunda, evitando tanto a idolatria do Estado quanto a politização da fé. Afinal, como bem disse o filósofo francês Alexis de Tocqueville, “a liberdade humana não pode ser estabelecida sem a moral, e a moral não pode ser fundada sem a religião”. Eis um princípio que, em tempos de relativismo e descrença, merece ser revisitado e refletido.

                 O Tabuleiro Político, 31 de janeiro de 2025

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