Por: Bruno Lobo Monteiro

A Semana Santa chegou e ela é o ápice do calendário litúrgico cristão, um período que condensa os eventos centrais da fé: a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. A narrativa da Semana Santa não pode ser compreendida sem referência à Páscoa judaica (Pessach), que celebra a libertação de Israel da escravidão no Egito (Êxodo 12). O termo Pessach deriva do verbo hebraico pasach, que significa “passar por cima” ou “poupar”, remetendo à proteção divina sobre os israelitas quando o anjo da morte passou por suas casas marcadas com o sangue do cordeiro. Esse sacrifício pascal era o cerne da celebração: um cordeiro sem defeito era imolado, seu sangue aspergido, e sua carne consumida em um ritual que simbolizava redenção e comunhão com Deus.
No Novo Testamento, Jesus é identificado como o “Cordeiro de Deus” (Agnus Dei, João 1:29), aquele que cumpre e transcende o sacrifício pascal. A cronologia dos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) sugere que a Última Ceia foi uma refeição pascal, enquanto o Evangelho de João posiciona a crucificação de Jesus no momento em que os cordeiros eram sacrificados no Templo (João 19:14). Essa conexão não é mera coincidência, mas uma afirmação teológica: Cristo é a Páscoa verdadeira, cujo sangue não apenas poupa da morte física, mas redime da escravidão do pecado e da morte eterna.
O sacrifício de Jesus na cruz é o ponto culminante de sua missão redentora, mas sua profundidade só pode ser apreciada quando consideramos o sofrimento físico, emocional e espiritual que ele enfrentou. A paixão de Cristo, conforme narrada nos evangelhos, revela um drama humano e divino que transcende a compreensão. A agonia de Jesus começa no Getsêmani, onde ele enfrenta o peso de sua missão. Em Mateus 26:38, ele confessa: “Minha alma está profundamente angustiada, até a morte.” O termo grego perilypos indica uma tristeza avassaladora, quase insuportável. No evangelho de Lucas, lemos que Jesus suou gotas de sangue (Lucas 22:44), um fenômeno médico raro chamado hematidrose, associado a extremo estresse emocional. Aqui, Jesus confronta a realidade do pecado humano que ele carregará. Como o segundo Adão (1 Coríntios 15:45), ele escolhe obedecer onde o primeiro falhou, submetendo-se à vontade do Pai: “Não seja como eu quero, mas sim como tu queres” (Mateus 26:39).
Após sua prisão, Jesus é submetido a julgamentos injustos perante o Sinédrio, Herodes e Pilatos. Ele é ridicularizado, cuspido e submetido à flagelação romana (flagellum), um castigo brutal que utilizava um chicote com pontas de metal ou osso, também chamado de azorrague. A flagelação rasgava a pele e os músculos, causando hemorragias severas e, em muitos casos, a morte. Isaías 52:14 profeticamente descreve o Messias como alguém “desfigurado, a ponto de não parecer humano”. O sofrimento físico de Jesus era agravado pela humilhação pública, cumprindo a imagem do Servo Sofredor (Isaías 53).
Carregando o patibulum (a trave horizontal da cruz), Jesus percorre a Via Dolorosa. Exausto pela flagelação e pela privação de sono, ele cai sob o peso da cruz, e os soldados exigem que Simão de Cirene o ajude (Marcos 15:21). Esse trajeto, embora curto, é marcado por dor física e isolamento social. A multidão que outrora o aclamava agora o escarnece, enquanto seus discípulos, exceto João e algumas mulheres, o abandonam. O Salmo 22, que Jesus cita na cruz (“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”), ecoa essa solidão, mas também aponta para a esperança da redenção.
O sofrimento espiritual de Jesus, no entanto, é ainda mais profundo. Em Mateus 27:46, ele clama: “Eli, Eli, lama sabachthani?” — “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Essas palavras, em aramaico e hebraico, citam o Salmo 22:1, mas também refletem o momento em que Jesus, carregando o pecado da humanidade, experimentou a ruptura em Sua santa comunhão com o Pai. Essa santa separação está no cerne do sacrifício de Cristo, pois ele suportou todas as consequências do pecado humano, como diz Isaías 53:5: “Ele foi traspassado pelas nossas transgressões, e moído pelas nossas iniquidades”.
O sacrifício de Jesus tem múltiplas dimensões teológicas, todas convergindo para o amor de Deus pela humanidade. Primeiro, a cruz é um ato de expiação (hebraico kippur, “cobertura”). Em Levítico 16, o sacrifício no Dia da Expiação cobria os pecados de Israel; Jesus, como o sacrifício final, remove o pecado permanentemente (Hebreus 10:12). Segundo, a cruz é um ato de reconciliação, restaurando a relação rompida entre Deus e a humanidade (Romanos 5:10). Terceiro, é um ato de redenção, libertando-nos da escravidão do pecado e da morte, assim como a Páscoa libertou Israel do Egito (Colossenses 1:13-14).
Finalmente, a morte de Cristo é uma demonstração do amor divino. João 3:16 resume: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito.” Esse amor não é abstrato, mas concreto, manifestado na dor, no sangue e na entrega total de Jesus. Ele morreu para que pudéssemos viver, para que a morte fosse vencida e para que a humanidade pudesse ser restaurada à comunhão com Deus.
A ressurreição de Jesus no terceiro dia é o fundamento da fé cristã. Sem ela, como Paulo argumenta, “vã é a nossa fé” (1 Coríntios 15:14). Os evangelhos narram que o túmulo foi encontrado vazio (Mateus 28:6; Marcos 16:6), e Jesus apareceu a seus discípulos, confirmando sua vitória sobre a morte. A ressurreição não é apenas um milagre, mas a validação do sacrifício de Cristo. Ela demonstra que a morte não tem a última palavra e que a oferta de Jesus foi aceita por Deus como suficiente para a redenção da humanidade.
No contexto judaico, a ressurreição de Jesus também cumpre as promessas escatológicas de restauração. O profeta Daniel fala de uma ressurreição dos justos (Daniel 12:2), e Jesus, como as “primícias dos que dormem” (1ª Coríntios 15:20), inaugura essa nova criação. Sua vitória é universal, oferecendo esperança a todos que creem.
Que essa semana de Páscoa vá além de coelhos e chocolates: que você possa refletir sobre o verdadeiro significado da morte de Cristo na cruz e sua ressurreição. Entenda quais são os seus propósitos para a humanidade e confesse-o como o seu único e suficiente salvador, compreendendo que ele foi preparar-nos um lugar (João 14:2) e que em breve virá para buscar aqueles que o adoram em espírito e em verdade.
Fortaleza, 16 de Abril de 2025