
A Câmara dos Deputados, sob a liderança de Hugo Motta (Republicanos-PB), intensificou nesta sexta-feira (4) as discussões sobre o corte de emendas parlamentares como parte do esforço do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para alcançar o equilíbrio fiscal em 2025. A proposta, que visa cumprir as metas do arcabouço fiscal, expõe a tensão entre o Executivo e o Legislativo, com parlamentares resistindo à redução de verbas que financiam obras e projetos em seus redutos eleitorais. O debate ocorre em meio à crise institucional deflagrada pela suspensão dos decretos do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que colocou em xeque a estratégia arrecadatória do Planalto.
Hugo Motta, em entrevista à GloboNews, reconheceu a legitimidade do debate sobre cortes nas emendas, mas alertou contra a “criminalização” desses recursos, que, segundo ele, são essenciais para atender demandas regionais. “É um debate legítimo, mas não pode tratar as emendas como se fossem privilégios pessoais dos parlamentares”, afirmou Motta. As emendas parlamentares, previstas no Orçamento da União, somam R$ 50,5 bilhões para 2025, incluindo R$ 24,67 bilhões em emendas individuais, R$ 14,68 bilhões em emendas de bancada e R$ 11,5 bilhões em emendas de comissão, segundo o relatório preliminar da Lei Orçamentária Anual (LOA) elaborado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA). O governo propõe limitar o bloqueio a até 15% das emendas não impositivas, mas a resistência do Congresso ameaça travar o ajuste fiscal.
O Contexto da Crise Fiscal e a Resistência do Congresso
A necessidade de cortes surge da pressão para cumprir a meta de déficit zero em 2025, uma promessa central do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que enfrenta dificuldades para equilibrar as contas públicas. O governo Lula tentou aumentar a arrecadação com a elevação do IOF, mas a medida foi derrubada pelo Congresso e, posteriormente, suspensa pelo STF, em decisão do ministro Alexandre de Moraes. Diante do fracasso dessa estratégia, o Planalto voltou suas atenções para o corte de gastos, incluindo as emendas parlamentares, que representam cerca de 25% das despesas discricionárias do Orçamento, conforme apontado por analistas.
A resistência do Congresso, no entanto, é significativa. Em dezembro de 2024, parlamentares rejeitaram dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que permitiam o bloqueio de emendas, optando por proteger esses recursos e até aumentar o reajuste do fundo partidário, conhecido como “fundão”, para R$ 1,3 bilhão. Essa decisão foi vista como um desafio direto ao pacote fiscal do governo, que inclui o Projeto de Lei Complementar (PLP) 210/24, aprovado na Câmara com 318 votos a favor, mas com alterações que limitam o impacto dos cortes. O texto, agora em tramitação no Senado sob relatoria de Jaques Wagner (PT-BA), mantém o bloqueio de até 15% apenas para emendas de comissão, preservando as emendas individuais e de bancada.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu a urgência do ajuste fiscal, mas reconheceu a necessidade de diálogo para evitar conflitos com o Legislativo. “Estamos comprometidos com a responsabilidade fiscal, mas as emendas são legítimas e precisam ser respeitadas”, afirmou. A oposição, liderada por partidos como PL e Novo, critica a proposta, alegando que o governo busca penalizar o Congresso enquanto mantém gastos em áreas menos prioritárias, como subsídios fiscais estimados em R$ 800 bilhões anuais.
Emendas Parlamentares: Necessidade Regional ou Moeda de Troca?
As emendas parlamentares, frequentemente alvo de polêmica, são defendidas por deputados e senadores como instrumentos essenciais para financiar obras e serviços em estados e municípios. No entanto, críticos, incluindo setores da oposição e analistas como Cleo Manhas, do Inesc, argumentam que esses recursos, especialmente as emendas de comissão, carecem de transparência e servem como moeda de troca para apoio político. “Por que não cortam as emendas parlamentares que ocupam 25% das despesas discricionárias?”, questionou Manhas, apontando para a desigualdade na alocação do Orçamento.
A pressão por maior transparência nas emendas ganhou força após decisões do STF, que exigiu rastreabilidade e critérios claros para sua execução. Em março de 2025, o Congresso aprovou o Projeto de Resolução nº 1/2025, que modernizou as regras para apresentação de emendas, proibindo destinações a entidades privadas e exigindo justificativas com benefícios sociais e econômicos claros. Apesar disso, parlamentares como o senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) criticam a persistência de práticas que favorecem uma “meia dúzia” de deputados e senadores com acesso privilegiado a esses recursos.
O Papel do STF e a Fragilidade do Governo Petista
A discussão sobre as emendas ocorre sob a sombra da intervenção do STF, que, ao suspender os decretos do IOF, reforçou sua posição como árbitro das disputas entre Executivo e Legislativo. A decisão de Moraes, que convocou uma audiência de conciliação para 15 de julho, evidencia a dependência do governo Lula do Judiciário para implementar sua agenda. A judicialização do conflito expõe a fragilidade do Planalto, que, sem uma coalizão sólida no Congresso, recorre ao Supremo para contornar derrotas políticas. Essa dinâmica, aliada à resistência dos parlamentares em abrir mão de emendas, coloca o ajuste fiscal em risco, com economistas alertando para um possível rombo de R$ 20,5 bilhões em 2025.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado projeta que a dívida pública pode alcançar 81,4% do PIB em 2025, chegando a 95,3% em 2028, caso medidas estruturais não sejam adotadas. Economistas como José Ronaldo de Castro Souza Jr., da Leme Consultores, defendem que o controle de gastos obrigatórios, incluindo uma revisão de subsídios e uma reforma administrativa, seria mais eficaz do que cortes pontuais em emendas. “O governo não chega a um ajuste fiscal definitivo sem enfrentar as despesas obrigatórias”, afirmou.