Encontro do BRICS no Rio de Janeiro é marcado por esvaziamento e desafios para manter agenda comum, com ausência de Xi Jinping e discussões sobre financiamento de projetos de infraestrutura

A 17ª Cúpula do BRICS, marcada para 6 e 7 de julho em Rio de Janeiro, sob a presidência pro tempore do Brasil, enfrenta um cenário de dificuldades sem precedentes, com a ausência confirmada de líderes de peso como o presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. A decisão de ambos, aliada à desistência de outros chefes de Estado, como o presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, expõe as fragilidades do bloco e compromete a ambição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de posicionar o Brasil como líder do Sul Global. A cúpula, que deveria consolidar a agenda de cooperação econômica e multilateralismo, revela divisões internas e a incapacidade do grupo de manter coesão em meio a tensões geopolíticas globais.
Ausências de Peso e o Vexame Diplomático
A ausência de Xi Jinping, que enviará o primeiro-ministro Li Qiang, marca a primeira vez que o líder chinês não participa de uma cúpula do BRICS, sinalizando uma possível despriorização do evento. Putin, por sua vez, optou por participar apenas por videoconferência, devido a um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI), que limita suas viagens a países signatários do Estatuto de Roma, como o Brasil. A delegação russa será liderada pelo chanceler Sergey Lavrov. O Egito, citando preocupações com a escalada de conflitos no Oriente Médio, também confirmou a ausência de al-Sisi, enquanto Turquia e México, convidados especiais, enviarão representantes de escalão inferior. Essas desistências, amplamente noticiadas, transformaram a cúpula em um evento de “diplomacia de segunda linha”, segundo analistas.
O presidente Lula, que também não participará presencialmente devido a complicações de saúde após um pequeno hemorragia cerebral em outubro de 2024, estará presente por videoconferência, com o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, liderando a delegação brasileira. A ausência do anfitrião, somada à falta de outros líderes-chave, enfraquece a narrativa do governo petista de que o Brasil está “de volta” ao protagonismo global. Em vez disso, a cúpula no Rio corre o risco de ser percebida como um fracasso diplomático, com posts em redes sociais ironizando o evento como um “vexame” para Lula e o PT.
Divisões Internas e a Fragilidade do BRICS
A cúpula ocorre em um momento de tensões internas no bloco, ampliadas pela expansão de 2024, que incluiu Egito, Etiópia, Irã, Emirados Árabes Unidos e Indonésia como membros plenos, além de 13 países parceiros, como Belarus, Bolívia e Cuba. Embora a ampliação tenha aumentado a representatividade do BRICS, que agora abrange 45,5% da população mundial e 25% das exportações globais, ela também intensificou divergências econômicas e geopolíticas. A Índia, por exemplo, busca equilibrar sua participação no bloco com relações com o Ocidente, enquanto a China exerce influência dominante, o que gera desconforto entre membros como Brasil e Índia, que rejeitam uma agenda sino-russa.
A proposta de desdolarização, defendida por Rússia e China, enfrenta resistência. O Brasil, sob Lula, vê a criação de uma moeda comum como uma forma de reduzir vulnerabilidades, mas a falta de convergência macroeconômica e disputas comerciais entre os membros tornam o projeto inviável no curto prazo. Além disso, a tentativa de estabelecer o BRICS Pay, um sistema alternativo ao SWIFT, esbarra na relutância de países como a Índia, preocupada com o impacto nas suas relações com os Estados Unidos. As discussões sobre governança da inteligência artificial e financiamento climático, prioridades da presidência brasileira, também sofrem com a falta de consenso, especialmente com nações como a Arábia Saudita, que ainda não formalizou sua adesão plena.
A Agenda Brasileira e o Desafio do Sul Global
O Brasil, sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável”, propôs uma agenda ambiciosa, incluindo a liderança climática do BRICS, com uma Declaração de Financiamento Climático, e a promoção de uma governança inclusiva de inteligência artificial. No entanto, a ausência de líderes-chave e a falta de avanços concretos em iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) limitam o impacto dessas propostas. O NDB, que deveria financiar infraestrutura no Sul Global, enfrenta desafios para cumprir sanções internacionais, especialmente em relação à Rússia, o que compromete sua credibilidade.
A cúpula também pretendia discutir a reforma da governança global, com foco na maior representatividade de países em desenvolvimento no Conselho de Segurança da ONU. Contudo, as divergências entre Índia, Brasil e África do Sul, que competem por assentos permanentes, dificultam um posicionamento unificado. A presença de países parceiros, como a Turquia, uma aliada da OTAN, adiciona complexidade, com temores de que o bloco se torne um “aglomerado de interesses conflitantes”, como descrito pelo Carnegie Endowment.
Lula e o PT: Um Projeto em Xeque
Para o governo Lula, a cúpula deveria ser uma vitrine para reforçar a liderança do Brasil no Sul Global, mas as ausências e a falta de coesão interna expõem as limitações do projeto petista. A insistência de Lula em priorizar o BRICS, enquanto enfrenta críticas internas por políticas fiscais impopulares, como o aumento do IOF, alimenta a narrativa de que o governo está desconectado das prioridades domésticas. Posts nas redes sociais reforçam essa percepção, com comentários que chamam o evento de “feriado inútil” decretado pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, para um encontro esvaziado.