
Por: Bruno Lobo Monteiro
No Brasil democrático, o equilíbrio entre os poderes deve ser rigorosamente preservado. No entanto, as decisões do ministro Alexandre de Moraes, especialmente em processos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro — ou integrantes da “direita” e os detidos do 8 de janeiro — levantam sérias preocupações quanto à legalidade, à proporcionalidade e ao respeito aos princípios constitucionais.
As prisões decretadas e a postura de Moraes transcende o mero exercício da jurisdição e adentra um terreno perigoso de arbitrariedade e violação dos pilares do Estado Democrático de Direito. As decisões, especialmente as que culminaram na detenção de figuras políticas de destaque como o ex-presidente e deputados indicados à direita, carecem de último probatório robusto e ferem frontalmente princípios basilares consagrados na Constituição Federal, no Código Penal e no Código Civil, configurando um precedente preocupante para a liberdade de expressão e o pluripartidarismo.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, LVII, estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ademais, o art. 5º, LXI, determina que a prisão só seja realizada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária. As decisões de Moraes, muitas vezes baseadas em supostas “ameaças à ordem pública” ou “risco de reiteração”, aparentam desconectar-se da realidade probatória concreta e individualizada, previstas no art. 312 do Código Penal. A prisão preventiva exige uma análise rigorosa dos requisitos legais (perigo da liberdade e garantia da ordem pública), não podendo ser utilizada como instrumento de intimidação política ou supressão antecipada do direito à ampla defesa. A mera vinculação a um movimento político ou crítico não configura, por si só, elementos suficientes para a decretação, violando o princípio da individualização da pena e da responsabilidade penal (art. 5º, XLVI, CF).
Sob sua relatoria, por exemplo, o “Inquérito das Fake News” foi instaurado sem provocação do Ministério Público — contrariando o devido processo penal, que confere ao juiz apenas o papel de garantidor e não de ator investigativo.
A Procuradora-Geral deflagrou, inclusive, que isso configura afronta ao art. 129 da Constituição, já que o magistrado assumiu poderes instrutórios indevidos. Essa conduta quebra o princípio da imparcialidade e inverte o papel constitucional dos atores do sistema penal.
Ora, meus amigos. Como pode o juiz ser testemunha, investigador, vítima e promotor em um mesmo processo? Onde está a imparcialidade, a suspeição e a ética em um processo com tantas evidências claras de conflitos de interesses?
O Código Civil, em seu art. 187, define o abuso de poder como “o exercício regular de um direito, mas com excesso manifesto e desrespeito aos limites pelo seu fim econômico ou social, ou pelos bons costumes”. As decisões de Moraes que restringem drasticamente o direito de defesa – como as limitações extremas do acesso aos autos do processo ou a ordenação de manifestações públicas – parecem extrapolar os limites necessários à instrução processual. A ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV, CF) é um direito fundamental, não uma faculdade do juiz. A restrição desproporcional, sem demonstração cabal de sua necessidade estrita para a investigação, configura um abuso de poder, ferindo não apenas o acusado, mas o próprio sistema processual. A prisão preventiva de deputados federais, em especial, sem uma demonstração inequívoca de sua participação material em atos violentos, viola o art. 53 da Constituição, que garante imunidade parlamentar por palavras, votos e opiniões, exceto crime inafiançável (como os de terrorismo, cuja aplicação aos fatos de 8/01 carece de tipificação clara e consensual).
Quanto a Inconstitucionalidade da “Presunção de Culpa” e a Persecução Seletiva, A questão reside na construção de um discurso que pressupõe a culpabilidade antecipada dos investigados, vinculando-os diretamente a “atos terroristas” sem a devida apuração individualizada. Ó arte. 5º, LVII, CF é taxativo: presunção de inocência. As decisões de Moraes, ao tratar as ameaças existenciais à democracia com base em sua filiação política ou discurso, ignoram a necessidade de prova robusta de autoria e materialidade, aplicadas pelo art. 156 do Código Penal. Esta abordagem configura uma forma de perseguição seletiva, politicamente motivada, que atinge não apenas figuras como Bolsonaro, mas também apoiadores e parlamentares que mantêm críticas consistentes ao atual governo e ao STF. Tal viés viola o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF) e o direito de participação política (art. 1º, XLV, CF).
A saúde de uma democracia se refere a três pilares indissociáveis e não negociáveis: a imparcialidade de seus agentes, a política de segurança como ambiente essencial para o debate e a estrita observância da Constituição como lei suprema. Recentemente, decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente as relacionadas aos eventos de 8 de janeiro e seus desdobramentos, suscitaram graves dúvidas sobre a robustez desses fundamentos, colocando em xeque a própria legitimidade institucional.
A imparcialidade não é uma virtude opcional, mas uma essência do poder judiciário. Um juiz, especialmente no mais alto tribunal, não pode ser visto como um ator político, movido por divergências ideológicas ou agendas pessoais. Quando decisões parecem seletivas, aplicando rigor desproporcional a um espectro político específico enquanto minimiza condutas análogas de outros grupos, a percepção de parcialidade se instala. Essa percepção, mesmo que infundada, corroi a confiança pública, transformando o Judiciário de guarda da lei em protagonista de disputas políticas. A imparcialidade exige tratamento isonômico, baseado unicamente na lei e nos fatos, nunca na afiliação partidária ou na conveniência política do momento.
A democracia não prospera em um ambiente de medo e incerteza. A política de segurança é o princípio que garante que cidadãos, líderes e partidos possam expressar suas ideias, criticar o poder e participar do debate público sem o risco constante de perseguição judicial arbitrária. Quando o braço da lei é usado não para punir condutas ilícitas comprovadas, mas para silenciar vozes críticas ou intimidar opositores, cria-se um clima de precedência perigosa. A prisão preventiva, por exemplo, deve ser uma exceção, reservada a situações de risco concreto e iminente, não convertida em instrumento de supressão antecipada de liberdade de expressão ou de participação política legítima. A ausência dessa política de segurança sufoca o pluralismo, essencial ao regime democrático, e abre caminho para a polarização e a violência.
A Constituição Federal não é um documento maleável, a ser reinterpretado à luz dos ventos ideológicos passageiros. Ela é o pacto fundamental, o contrato social que define os limites do poder, garante direitos fundamentais e estabelece o regrado do jogo democrático. Qualquer decisão judicial, por mais urgente ou politicamente sensível que pareça, deverá caber dentro dos marcos constitucionais. Isso significa respeitar o devido processo legal (garantia da ampla defesa, contraditório, presunção de inocência), a separação de poderes, a imunidade parlamentar quando aplicável e os direitos fundamentais. Quando decisões extrapolam esses limites, mesmo sob o pretexto de proteger a democracia, elas próprias se tornam inconstitucionais e, portanto, antidemocráticas. A Constituição deve ser cumprida, não apenas em sua letra, mas em seu espírito de limitação estatal e proteção da liberdade individual e coletiva.
A convergência da falta de imparcialidade percebida, da erosão da segurança política e do desrespeito aos limites constitucionais configura um cenário alarmante. O Judiciário, ao se afastar de seu papel neutro e técnico, corre o risco de se tornar uma fonte de instabilidade em vez de seu guardião. A não é solução em ataques às instituições, mas não há fortalecimento de sua capacidade de autocrítica e nenhum retorno intransigente aos princípios basilares que devem reger todas as suas ações: imparcialidade rigorosa, respeito absoluto à segurança política como pré-condição da democracia e, acima de tudo, uma obediência irrestrita e incondicional à Constituição Federal. A réplica do STF e, por consequência, da democracia brasileira, depende dessa retomada urgente.