Conflito na região disputada da Caxemira se intensifica com ataques mútuos que resultaram em dezenas de mortes, incluindo civis, elevando a preocupação internacional devido à posse de armas nucleares por ambos os países e pedidos globais por moderação

A tensão entre Índia e Paquistão atingiu níveis alarmantes na região disputada da Caxemira, reacendendo temores de um conflito nuclear entre as duas potências atômicas do sul da Ásia. A escalada, desencadeada por um ataque terrorista em 22 de abril de 2025, que matou 26 pessoas, majoritariamente turistas hindus, na cidade de Pahalgam, em território administrado pela Índia, levou a trocas de ataques militares e ameaças mútuas, culminando em um cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos em 10 de maio. Apesar da trégua, a instabilidade persiste, com ambos os lados reforçando suas posições ao longo da Linha de Controle (LoC) e a comunidade internacional alertando para o risco de uma catástrofe nuclear, dado que Índia e Paquistão possuem, respectivamente, cerca de 180 e 170 ogivas nucleares, segundo estimativas do Stockholm International Peace Research Institute (Sipri).
O Estopim em Pahalgam e a Escalada Militar
O ataque em Pahalgam, reivindicado pelo grupo The Resistance Front (TRF), que a Índia alega ser um proxy do Lashkar-e-Taiba, baseado no Paquistão, foi o pior contra civis na região desde 2002. A Índia acusou o Paquistão de apoiar o terrorismo, uma alegação que Islamabad nega veementemente. Em resposta, a Índia lançou ataques aéreos em 7 de maio, utilizando mísseis BrahMos e SCALP-EG, atingindo nove alvos descritos como “infraestruturas terroristas” no Paquistão e na Caxemira administrada por Islamabad, incluindo uma mesquita em Muzaffarabad que o Paquistão afirma ser um alvo civil. O Paquistão retaliou com mísseis balísticos de curto alcance Fatah-I e Fatah-II, além de drones, intensificando os confrontos ao longo da LoC. Relatos apontam pelo menos 31 mortos no lado paquistanês, incluindo civis, e 16 civis mortos em fogo cruzado no lado indiano.
A troca de ataques incluiu, pela primeira vez, o uso de drones kamikaze por ambos os lados, marcando uma nova fase na rivalidade militar. A Índia relatou a derrubada de 25 drones paquistaneses, enquanto o Paquistão alegou abater cinco aeronaves indianas, embora essas alegações não tenham sido confirmadas independentemente. A escalada, que incluiu ataques em Punjab, no coração do Paquistão, foi a mais significativa desde a guerra de 1971, rompendo com o padrão de confrontos limitados à Caxemira. A suspensão do tratado de águas do rio Indo pela Índia, uma medida sem precedentes, elevou ainda mais as tensões, com o Paquistão considerando tal ação como “declaração de guerra”.
O Contexto Histórico e o Risco Nuclear
A disputa pela Caxemira, dividida entre Índia, Paquistão e uma porção controlada pela China desde a partição de 1947, é a principal fonte de animosidade entre os dois países, que já travaram três guerras (1947, 1965 e 1971) e um conflito limitado em 1999. A introdução de armas nucleares pela Índia em 1974 e pelo Paquistão em 1998 elevou as apostas, transformando a região em um dos pontos mais perigosos do mundo, conforme descrito pelo ex-presidente americano Bill Clinton. A crise de 2019, após o ataque em Pulwama, já havia levado as duas nações à beira de um confronto nuclear, com intervenção americana evitando uma escalada, segundo o ex-secretário de Estado Mike Pompeo.
A atual crise, embora contida pelo cessar-fogo, expõe a fragilidade da estabilidade regional. A Índia opera sob uma política de “não uso primeiro” de armas nucleares, mas declarações ambíguas de autoridades desde 2019 sugerem uma possível revisão dessa doutrina. O Paquistão, por sua vez, mantém uma postura mais opaca, com “linhas vermelhas” que incluem perdas territoriais significativas ou desestabilização política, conforme definido em 2001 pelo então chefe da Divisão de Planos Estratégicos, Khalid Kidwai. A ausência de uma doutrina clara e incidentes como o disparo acidental de um míssil indiano em 2022, que atingiu o Paquistão, reforçam o risco de escalada por erro de cálculo.
O Papel da Comunidade Internacional e a Polarização Nacionalista
A mediação dos Estados Unidos, liderada pelo presidente Donald Trump, foi crucial para o cessar-fogo, com o uso de uma linha direta entre os militares dos dois países e pressão diplomática para evitar uma guerra total. No entanto, a relutância americana em criticar os ataques indianos, aliada à sua crescente aproximação com a Índia como contrapeso à China, levantou críticas de parcialidade. A China, principal aliada do Paquistão, condenou os ataques indianos, enquanto a Rússia e a França expressaram preocupações com a escalada. A cúpula do BRICS, marcada para 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, pode ser uma oportunidade para discutir a desescalada, embora a ausência de líderes como Xi Jinping e Vladimir Putin limite seu impacto.
O nacionalismo exacerbado em ambos os lados agrava a crise. O governo de Narendra Modi, do partido hindu-nacionalista BJP, enfrenta pressão interna para adotar uma postura dura, especialmente após o ataque de Pahalgam, que vitimou hindus. No Paquistão, o exército, que exerce influência significativa sobre a política nuclear, vê a crise como uma oportunidade para reforçar sua legitimidade interna. A desinformação, amplificada por redes sociais, com narrativas conflitantes sobre as perdas e alvos dos ataques, dificulta a construção de confiança.
Impactos e Perspectivas Futuras
A crise de maio de 2025, embora interrompida, não resolveu as tensões subjacentes. A repressão indiana em sua porção da Caxemira, especialmente após a revogação do status semi-autônomo em 2019, continua a alimentar o descontentamento local, com mais de 60% da população muçulmana da região se opondo ao controle de Nova Délhi. O Paquistão, por sua vez, enfrenta instabilidade econômica e política, com uma economia de US$ 350 bilhões sob pressão de um empréstimo do FMI de US$ 7 bilhões, o que limita sua capacidade de sustentar um conflito prolongado.
Estudos alertam para consequências catastróficas de um conflito nuclear. Um estudo de 2019 estima que uma troca nuclear limitada entre Índia e Paquistão poderia matar 20 milhões de pessoas em uma semana e desencadear um “inverno nuclear”, ameaçando até 2 bilhões de pessoas por fome devido à interrupção da agricultura global. A comunidade internacional, liderada pelos EUA, deve pressionar por negociações bilaterais, como previsto pelo Acordo de Simla de 1972, mas a falta de vontade política em ambos os lados e a crescente influência de potências regionais como a China tornam a resolução improvável no curto prazo.
A tensão na Caxemira permanece um barril de pólvora, com o risco de novos incidentes terroristas ou erros de cálculo reacendendo o conflito. Enquanto Índia e Paquistão mantiverem suas reivindicações sobre a totalidade do território e o nacionalismo continuar a alimentar a retórica beligerante, o espectro de um confronto nuclear seguirá pairando sobre a região, exigindo vigilância constante da comunidade internacional para evitar uma catástrofe global.