
As universidades federais brasileiras enfrentam uma crise financeira sem precedentes, alertam reitores e entidades acadêmicas. A combinação de cortes orçamentários, contingenciamentos e inflação acumulada ameaça o funcionamento básico das instituições, comprometendo ensino, pesquisa e assistência estudantil. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) denunciam que as medidas do governo federal agravam um cenário já delicado, com risco de inviabilizar as operações até o final de 2025.
Orçamento Estrangulado: Decreto 12.448 Aprofunda a Crise
O Decreto nº 12.448, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 30 de abril de 2025, limita a execução orçamentária mensal das universidades federais a 1/18 do total autorizado, o que significa que apenas 61% do orçamento estará disponível até novembro. Reitores afirmam que essa restrição impede o pagamento de contas básicas, como água, luz, limpeza e segurança. A Andifes estima que o orçamento discricionário de 2025, fixado em R$ 5,7 bilhões, é insuficiente para cobrir as despesas das 69 universidades federais, especialmente após cortes de R$ 310 milhões na Lei Orçamentária Anual (LOA) em relação a 2024.
“Não se faz educação de qualidade sem orçamento”, declarou a reitora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Maria José de Sena, em coletiva. Ela destaca que as instituições precisam de uma recomposição de R$ 2,5 bilhões para manterem suas atividades. A situação é agravada pela inflação, que corroeu o poder de compra: em 2014, o orçamento das federais era de R$ 8,1 bilhões, enquanto para 2025 está previsto apenas R$ 6,5 bilhões em termos nominais.
Impactos na Pesquisa e na Inclusão Social
A crise orçamentária não afeta apenas a manutenção das universidades, mas também a pesquisa científica, responsável por mais de 90% da produção acadêmica do Brasil. A ABC e a SBPC alertam que o contingenciamento ameaça a continuidade de estudos em áreas estratégicas, como saúde, tecnologia e meio ambiente. “Sem pesquisa pública, o Brasil perde inovação e soberania”, afirmou Helena Bonciani Nader, presidente da ABC.
Outro impacto severo recai sobre a assistência estudantil, essencial para a permanência de alunos de baixa renda, que representam 70% dos matriculados nas federais. Programas como o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) sofrem com redução de verbas, dificultando o acesso a bolsas, moradia e alimentação. “As universidades públicas são a principal porta de entrada para estudantes pobres. Limitar seus recursos é condenar a mobilidade social”, criticou Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC.
Reação das Universidades e Diálogo com o Governo
Reitores intensificam esforços para reverter o quadro. Em Pernambuco, Alfredo Gomes, reitor da UFPE, entregou um documento à bancada federal do estado solicitando a recomposição orçamentária. Na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o reitor Josealdo Tonholo denuncia um “colapso financeiro” que compromete serviços essenciais e contratos com terceirizados. A Andifes, por sua vez, agenda uma reunião no Palácio do Planalto com o ministro da Educação, Camilo Santana, e possivelmente com o presidente Lula, na esperança de encontrar uma solução paliativa.
O Ministério da Educação reconhece o problema e afirma que trabalha para recompor o orçamento, mas aponta que os cortes de 2016 a 2022 deixaram um passivo financeiro difícil de superar. Em nota, o MEC destaca que liberou R$ 547,4 milhões em emendas parlamentares em 2025, mas não detalha quanto será destinado às universidades. A pasta também enfatiza a autonomia das instituições para gerir seus recursos, o que críticos interpretam como uma tentativa de transferir responsabilidade.
Ajuste Fiscal x Educação: Um Dilema Nacional
O governo justifica os cortes com a necessidade de cumprir o arcabouço fiscal, que impôs um contingenciamento de R$ 31,3 bilhões no orçamento geral de 2025. Contudo, entidades acadêmicas argumentam que priorizar o ajuste fiscal em detrimento da educação compromete o desenvolvimento do país. “Países desenvolvidos investem em ciência e educação. O Brasil, ao contrário, desmonta suas universidades”, lamenta a SBPC.
A crise nas universidades federais reflete um conflito mais amplo entre austeridade econômica e investimento em políticas públicas. Enquanto o governo busca equilíbrio fiscal, o ensino superior público enfrenta o risco de paralisia, com consequências de longo prazo para a formação de profissionais e a inovação tecnológica.