Ministro do Supremo critica falta de regularização, mas entregadores defendem flexibilidade e ganhos superiores ao salário mínimo
Em uma declaração recente que gerou intensa discussão, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Flávio Dino, afirmou que “ter bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair pedalando não é empreendedorismo”. A fala, feita em tom de crítica social, apontou para a falta de regulamentação e a ausência de contribuição previdenciária dos entregadores por aplicativo, argumentando que essa modalidade de trabalho não pode ser considerada um empreendimento, mas sim um vínculo profissional desprovido de direitos trabalhistas.
A fala de Dino ressoa em meio a um debate crescente sobre a gig economy e o status dos trabalhadores de plataformas de entrega. De um lado, críticos como o ministro apontam para a precariedade do trabalho, a ausência de garantias básicas e a exploração potencial que esses trabalhadores enfrentam. Dino ressalta que a informalidade deste tipo de trabalho deixa os entregadores desprotegidos, sem acesso a benefícios como aposentadoria, férias remuneradas e licença médica.
Entretanto, há um outro lado da moeda que precisa ser considerado. Muitos entregadores escolhem essa modalidade de trabalho exatamente pela flexibilidade e pela possibilidade de ganhar mais do que o salário mínimo. Em um mercado de trabalho formal cada vez mais competitivo e com salários baixos, a promessa de renda superior e autonomia atrai milhares de brasileiros para as plataformas de entrega.
Conversamos com alguns entregadores que se posicionam contra a fala do ministro. João Carlos, de 32 anos, trabalha como entregador de bicicleta há dois anos e defende veementemente a sua escolha. “Eu já trabalhei em vários empregos com carteira assinada, mas o salário nunca passava de um salário mínimo. Agora, consigo fazer meu próprio horário e ganhar bem mais. Para mim, isso é ser empreendedor”, argumenta.
Maria Fernanda, de 28 anos, compartilha uma visão similar. “Eu entendo que não temos os mesmos direitos que um empregado formal, mas a liberdade que eu tenho vale muito. Posso trabalhar quando quero e ainda ganho mais do que ganhava como recepcionista. Regularizar é importante, mas não quero perder essa autonomia”, diz ela.
É evidente que há uma necessidade urgente de encontrar um equilíbrio. A regularização do trabalho dos entregadores por aplicativo é essencial para garantir direitos básicos e uma rede de proteção social. No entanto, é igualmente crucial que essas regulações não eliminem a flexibilidade e a oportunidade de ganhos maiores que atraem tantos para essa forma de trabalho.
O desafio é complexo: como garantir direitos e proteção social sem sufocar a autonomia e a capacidade de renda que esses trabalhadores atualmente possuem? A resposta a essa pergunta pode definir o futuro do trabalho no Brasil e o equilíbrio entre proteção social e liberdade econômica.
Enquanto o debate continua, fica claro que qualquer solução precisará ouvir as vozes daqueles que estão no coração dessa questão: os próprios entregadores. Afinal, são eles que vivem diariamente a realidade das ruas, equilibrando a busca por melhores condições de vida com a liberdade de escolher como e quando trabalhar.